Amamentar é - aleitamento materno | por Chris Nicklas

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Colunistas /Dr. Daniel Becker

A Rendição dos Médicos

Para quem se sente desconfortável quando o pediatra receita o complemento apesar do neném estar se desenvolvendo bem mamando só no peito!

  • 09/07/2013
  • Dr. Daniel Becker

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Capítulo II

A Rendição dos Médicos

No final do último capítulo, contamos como as empresas fabricantes de leite em pó mudaram suas estratégias: em vez de vender fórmulas para as mães, venderiam para os pediatras. A ideia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.

A Nestlé foi a mais agressiva nesta estratégia. Em nosso país, ela conseguiu dominar inteiramente a Sociedade Brasileira de Pediatria. É uma situação muito curiosa: o discurso da sociedade é fortemente favorável ao leite materno, com recomendações de amamentação exclusiva até os 6 meses, comitês e documentos, bandeiras pró amamentação como a da licença de seis meses para as mulheres, etc. Por outro lado, quase todos os documentos, manuais, avisos de congresso, circulares, cursos de atualização, enfim, qualquer publicação da SBP tem o selo Nestlé enorme, gravado na capa. A maioria das atividades da SBP tem o patrocínio da Nestlé. Mais publicações e aulas são realizadas sobre os melhores “substitutos do leite materno”, do que as que ensinam como apoiar efetivamente uma mulher que amamenta.

A Nestlé oferece um curso anual de atualização em pediatria, em parceria com a Sociedade, que é tão ou mais popular que os principais congressos. Aqui no Pediatria Integral, fiz uma reportagem sobre a impressionante infantilização dos pediatras nesta ocasião: adultos participando de joguinhos infantis e competições de perguntas sobre os produtos Nestlé para ganhar bichinhos de pelúcia e sorvetes, consumindo biscoitos e leitinhos, e pior, comendo papinhas de bebê servidas por chefs em travessas de prata. A grande mãe tratando bem seus bebês, e esperando em troca uma enorme gratidão e reconhecimento.

Além da Nestlé, várias outras empresas fazem visitas constantes aos consultórios pediátricos oferecendo informações sobre seus muitos tipos de leite e suas inúmeras vantagens uns sobre os outros, todos tão “parecidos com o leite materno”. A amamentação é obviamente ignorada nessas visitas que muitas vezes terminam em farta distribuição de brindes, almoços em churrascarias e mesmo convites para visitas às sedes no exterior ou viagens a congressos.

Essa estratégia comercial segue o principio sócio comportamental da “reciprocidade”. Quando alguém lhe oferece presentes, graças e gentilezas, você se sente em dívida com quem fez o gesto; cria-se uma simpatia difícil de resistir. Devolver as gentilezas é quase inevitável. É claro que este não é o único motivo, mas este é certamente um dos fatores que explicam tantas prescrições de leite em pó, mesmo ainda na maternidade. Uma estratégia cruel da indústria, mas extremamente inteligente eficaz para vender os seus produtos e sabotar a amamentação. Da mesma forma que a imagem do leite em pó como sendo “mais forte” minava a confiança das mulheres em seu leite, também a prescrição apressada ou descuidada de complementos (“se você achar que tem pouco leite”, “se ela estiver com muita fome”… “uma mamadeira pra você descansar um pouco”…) é um fator claro e frequente para que a mulher deixe de amamentar. Se em vez da mamadeira de leite artificial que mina a confiança da mulher, oferecermos informação, apoio e o carinho e técnica de profissionais especializados, o quadro certamente será outro.

Portanto vemos aqui, de saída, duas razões importantes para a dificuldade de amamentar percebida por tantas mulheres: a cultura do leite em pó, que persiste até hoje, nos fazendo duvidar da qualidade e da força do leite materno como suficiente para alimentar um bebê; e a facilidade com que alguns pediatras prescrevem o leite em pó, antes mesmo de surgir qualquer problema na mãe ou no bebê.

Há ainda um terceiro problema, ainda no terreno da medicina – ou, melhor dizendo, da má medicina. Veremos isso no próximo capítulo – em breve.