Amamentar é - aleitamento materno | por Chris Nicklas

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Colunistas /Dr. Daniel Becker

Aleitamento Materno no século XX

A evolução do Aleitamento Materno através dos tempos. Descubra quais são os aspectos históricos e sociais que afetam o sucesso dessa relação.

  • 27/06/2013
  • Dr. Daniel Becker

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Amamentação no Século XX!

Capitulo I

O Massacre das Mulheres

Amamentar: tão natural, tão importante. Tão bom para o bebê, tão bom para a mãe. E tão aparentemente simples.

E todos/todas sabemos: não é? Olhamos para o nosso filho, um bebê pequeno e frágil, e uma angústia do tamanho do mundo desaba sobre nossos ombros: vou ser capaz? Vou ter leite bastante para o meu filho? Ele vai sobreviver e crescer só mamando no seio? Será?

E por que é assim? Por que não é fácil e natural? Para entender nossas dificuldades e angústias, é preciso – sempre, aliás – ir além do nosso próprio casulo, nossa família e nosso tempo, e ampliar o olhar para o contexto cultural e histórico em que estamos inseridos. O tema é longo e complexo, por isso vamos escrever em capítulos. Nesta era da internet, vamos ver quem consegue ir até o final… O tema é também bacana e relevante, por isso talvez valha a pena.

No final do século 19 o aleitamento materno perdia prestígio entre a burguesia. Era considerado uma prática de mulheres pobres. Continuou em declínio nas primeiras décadas do século 20, quando começa a comercialização do leite em pó adaptado para bebês. Sem dúvida, na época, um grande avanço científico – a salvação para bebês que não podiam ser amamentados por morte ou doença da mãe.

Mas à medida que as vendas avançavam, a ganância da indústria aumenta: ela percebe que o grande lucro virá quando todas as crianças usarem suas fórmulas, não apenas as que precisavam por algum motivo. E começa a construção da cultura do leite em pó: disseminando a idéia de que o leite materno é fraco, ruim, insuficiente para um bebê realmente forte e saudável (lembrem da imagem do bebê gorducho, ícone de saúde na época). Bom mesmo era o leite em pó para bebês, essa maravilha da ciência. No pós guerra as vendas explodem e a geração baby-boomer (nascidos no pós-guerra) dos EUA e outros países pouco conheceu o leite materno. Nos anos 60, mais de 70% dos bebês americanos recebiam fórmulas, graças a agressivas campanhas de distribuição de leite em pó nas maternidades e ao contínuo esforço de propaganda para desacreditar o leite materno. A maioria das mulheres desta geração acreditava completa e acriticamente que o leite em pó era melhor que o materno.

Vejam que estamos falando de uma modificação cultural tão profunda que provoca a alteração de um comportamento biológico inato e tão primário quanto alimentar seu próprio filho (algo que denomina nossa classe científica: mamíferos). Uma incrível vitória dos interesses da indústria e do capitalismo sobre a natureza.

A partir dos anos 60 e do advento da pílula, o número de nascimentos começa a cair nos países desenvolvidos e o movimento feminista levanta a bandeira da autonomia e dos direitos da mulher – inclusive o direito de amamentar seus filhos, de poder sustentá-los sem a ajuda de leite de outros animais. As indústrias – Nestlé, Mead Johnson e outras – partem para uma agressiva campanha de vendas nos países em desenvolvimento, na época miseráveis em sua maioria, com altas taxas de fertilidade. Distribuíam mamadeiras e amostras de leite gratuitas em maternidades, sempre lembrando às mães que leite materno não era “forte” o bastante.

Só que, neste contexto social, as coisas eram um pouco diferentes. Chegando em casa, os bebês sugavam as mamadeiras e começavam a fazer a previsível “confusão de bico” – uma dificuldade de sugar o seio quando se oferece mamadeira a um recém-nascido. Isso era confundido com uma recusa do seio (confirmando que o leite materno era ruim), e as mulheres ofereciam mais leite em pó. Só que a segunda lata não era gratuita – custava caro, e a tendência era diluir com mais água; e a água era suja e contaminada muitas vezes… e desta forma estima-se que milhões de crianças tenham morrido de diarréia e desnutrição. A Nestlé chegou a receber o apelido de baby-killer dos movimentos sociais pró-amamentação.

A partir da década de 70 começa a ressurgir o interesse na amamentação – do movimento feminista à ciência médica, cada vez mais se percebia o óbvio: o leite materno era o melhor alimento para o bebê. As vantagens eram demonstradas maciçamente por pesquisas. De início referiam-se à saúde na infância, mas depois estudos de longo prazo demonstravam benefícios para a saúde cardio-vascular, na prevenção do câncer, diabetes e obesidade, além de grandes vantagens no bem estar das mães que amamentavam.

Organizações da sociedade civil denunciam então as práticas perversas dos fabricantes de leite; um boicote contra a Nestlé começa em 1977 e se estende até hoje. A OMS cria em 1981 um código de comercialização para o leite em pó, proibindo a propaganda direta ao público, e exigindo que se colocasse um aviso nos produtos de que o leite materno era o melhor alimento para o bebê; e que as fórmulas deveriam ser prescritas apenas por profissionais de saúde.

As empresas mudam então suas estratégias de marketing: em vez de vender formulas para as mães, venderiam para os pediatras. A idéia era conquistar a simpatia desses profissionais com tanta autoridade no que se refere à saúde da criança, e capazes de recomendar as suas fórmulas mesmo diante das evidências crescentes de que o leite materno era o alimento ideal para o bebê.

Começa então uma saga (também muito impressionante e vitoriosa) que vai até nossos dias, e gera situações inacreditáveis, especialmente no Brasil. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.